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domingo, 26 de junho de 2022

Três crônicas diplomáticas - parte III

Caros leitores. Para a última parte da série "Três crônicas diplomáticas" optei por selecionar uma crônica escrita em 2019 que faz parte da minha coletânea de textos elaborados entre aquele ano até 2021 e que envolve crônicas, reflexões, ensaios e demais escritos que cobrem desde o período pré-pandemia, até as transformações que a mesma provocou na minha rotina tanto pessoal como de criação literária.

Essa crônica também possui uma intertextualidade muito forte com as músicas do cantor canadense Michael Bublé (e um toque de Simply Red e Caro Emerald), o qual eu iria participar de um show em novembro de 2020 e que acabou sendo adiado por duas vezes, tendo a previsão de acontecer em novembro deste ano. 

Bublé se notabilizou por trazer ao mercado músical do século XXI a essência de grandes nomes do jazz como Frank Sinatra, além de emplacar canções próprias que transitam entre o romântico, o pop e o próprio jazz, compilando assim o que é considerado vintage com tendências modernas, tal como outros artistas que considero fundamentais na minha vivência artística, como é o caso da cantora holandesa Caro Emerald.

Assim sendo, sejam bem-vindos para mais um enredo de criação literária, escrito a partir de um período onde a rotina caótica de participar da aulas e atividades universitárias no turno matutino e noturno, trabalhar no turno vespertino, além de elaborar o TCC, em alguns momentos contrastava com textos como esse, que considero como suave e harmonioso, especialmente para um tempo como aquele.

 

My (idealization) way

 

Era mais uma festa dada pelo embaixador para os convidados, a maioria deles artistas e alguns intelectuais que se reuniam em um imponente salão todo cercado por peças de porcelana em mesas da melhor madeira ao nível de Jacarandá e todo o resto era o mais nobre mármore possível. O chão brilhava ao ponto de que era possível observar o reflexo dos convidados ali. O banquete ainda seria servido em cerca de meia hora e por enquanto a autoridade diplomática se encarregava por meio de seus funcionários de servir aos convidados bons champagnes de Reims e vinhos de Bordeaux, mas os últimos estavam guardados especialmente para o jantar que ainda não havia sido revelado. Por fora uma agradável espera com conversas de variedades ou pitadas de barganha política e comercial, mas a alma de um deles em especial estava angustiada. 

 

A festa apesar de promovida pelo embaixador, estava a acontecer no tal palácio alugado pelo segundo-secretário (o número 4 na hierarquia que tinha por volta de uns 30 anos). Era a alma deste que vagava pelo salão na procura do seu complemento, no vinho o sangue e no segundo andar a vida. Lá estava sua esposa a se arrumar enquanto o diplomata brasileiro continuava a conversar como se a preocupação não lhe tivesse dominado, mas seus olhares para a pujante escadaria também de mármore, por onde a dama iria descer eram indiscretos, a tal ponto de seu interlocutor ter de “disputar atenção” com a "apreensão" pessoal dele. 

 

A gravata borboleta era constantemente arrumada como uma forma de dissipar a sua preocupação sem sucesso, afinal a reunião informal já estava a acontecer e sua amada ainda não havia descido do quarto e, portanto, não fora apresentada aos demais convidados. Eram segundos intermináveis de um "I can't wait a moment more, tell me quando quando quando" de uma melodia ambiente refinada guiada por saxofones e na alma por uma confusão sentimental do diplomata. Era uma tormenta tal que trocas de números e capitais eram frequentemente feitas. O farol que guiava o diplomata no mar mediterrâneo ainda não havia aparecido. "God only knows what I feel without you" era o que o refletia isoladamente. Mas era no quarto que aquela moça era banhada de graça, tão jovial e feminina a fazer inveja às demais nereidas. 

 

A Ninfa pintava as suas cores e dava ainda mais vida aos seus traços delicados, tais mostrados ao espelho como uma obra de arte. Após as pinceladas da maquiagem, o longo vestido vermelho de seda não apenas era a continuação das pétalas dos seus lábios como a morada de suas curvas tão formosas e o elo para a sua sandália da mesma cor que ela ali calçava, e logo depois viria o seu andar mais leve e confiante que você pode imaginar. Então ela fechou os olhos por um momento antes de sair do quarto para a última mensagem de sua mother goddess:

 

"Close your eyes

Let me tell you all the reasons why

You’re never going to have to cry

Because you’re one of a kind". 

 

Então, ela de forma plena saiu da Arcádia eslava para o mundo terreno e ao abrir esse portal começou a descer as escadas tocando aquele tapete vermelho e dourado como a voz dos antigos trovadores tocavam o coração de suas amadas, de forma refinada, segura e trazendo a luz consigo. "A noite é de festa e ela veste o luar". Aquela luz que todos sentiam a presença e logo olharam para ver de onde vinha. Era a sua primeira vez ali, mas aquele glamour lhe cabia tão bem.

 

"Take a look

Beyond the moon

You see the stars.

And when you look around

You know the room by heart".

 

No mundo real alguns segundos dividiram os passos daquela dama de seu marido, mas na mente do diplomata era tal êxtase e magia daquele momento que ambos estavam elevados no mundo das memórias guiadas por tantas trilhas especiais.

 

"You're lovely, with your smile so warm

And your cheeks so soft,

There is nothing for me but to love you,

And the way you look tonight." 

 

Ele a olhava com o semblante tão entregue à plenitude dela que era como se "A new flame has come". Eram segundos que se eternizariam em suas vidas, cujas almas estavam completamente adornadas muito acima da pureza daquele mármore que os cercavam. 

 

"Unforgettable, mm that's what you are

Unforgettable though near or far

Like a song of love that clings to me

Mm how the thought of you does things to me

Never before has someone been more mm".

 

Estavam juntos há tanto tempo, mas a sinfonia do violino daquela música que tomou aquele rapaz apaixonado quando se conheceram, continuava alegremente a adorná-lo como da primeira vez.

 

"When I give my heart

It will be completely

Or I'll never give my heart

And the moment I can feel that

You feel that way too

Is when I'll fall in love

With you".

 

Todos nos olhavam e logo sabiam o que éramos, tal a nossa conexão de olhares a almas entrelaçadas. O homem de negócios que conversava com o diplomata então o perguntou: 

 

- Vejo que está a se sentir completo agora. 

 

"I feel wonderful tonight

I feel wonderful because I see

The love light in your eyes

And the wonder of it all

Is that you just don't realize how much I love you". 

 

A dama russo-italiana se aproxima cada vez mais de seu amado, seduzindo-o consciente e inconscientemente. Para os que estavam do lado de fora desse filme íntimo entre as almas parecia que uma "Bond girl" estava a ficar cada vez mais próxima com todo o charme e elegância:

 

"Birds flying high

You know how I feel

Sun in the sky

You know how I feel

Reeds driftin' on by

You know how I feel

It's a new dawn

It's a new day

It's a new life

For me

And I'm feeling good

I'm feeling good"

 

Após o suave toque do cravo em sua rosa tão preciosa, o casal enfim estava pronto para dançar e concretizar finalmente aquela idealização frente ao mundo dos homens. Como dizem "The best is yet to come". O vestido escarlate, o palor da tez tão fina e o olhar esmeraldino que ela trazia eram as cores de sua terra natal que carregava consigo, apesar da beleza vinda das sagradas terras eslavas. A plenitude e a conexão entre eles permitiam que ambos dançassem romântica ou alegremente sem nunca perderem o tom e o passo correto, apesar dos toques de sua amada ainda arrepiarem aquele diplomata como no primeiro encontro, era como se ela cantasse ("In just one dance, I'll make your dreams come true"). 

 

"Never know how much I love you

Never know how much I care

When you put your arms around me

I get a fever that's so hard to bear." 

 

Em "You'll never find another love like mine", "Come fly to me", "Everything", "Dream a little dream" as faces coladas e um clima de "Put Your Head On My Shoulder" ouviam cada acorde e frase daquelas canções a se encaixarem perfeitamente nos momentos que viveram juntos ou mesmo para descrever a pessoa amada. 

 

"And in this crazy life

And through these crazy times

It's you, it's you

You make me sing

You're every line

You're every word

You're everything". 

 

As lembranças do diplomata de suas escalas sempre malucas em Londres e de sua amada do intercâmbio que ela havia feito na cidade parecia uni-los no mesmo cenário em "A foggy day (in London Town)".

 

Nas canções mais alegres como "Haven't Met You Yet", "How Sweet It Is", e principalmente em "It Had Better Be Tonight" os protocolos mais formais eram deixados de lado, mas sem que o casal perdesse a classe. Era apenas o sangue italiano da filha de Vênus falando mais alto. 

 

"Meglio stasera

Baby go go go

Or as we natives say

"Fa subito!"

If you're ever gonna kiss me

It had better be tonight

While the mandolins are playing

And stars are bright

If you've anything to tell me

It had better be tonight".

 

Em "Sway" ambos pareciam bailarinos latinos guiados por uma banda local que estava presente na frequência daqueles alto-falantes. 

 

"When marimba rhythms start to play

Hold me close, make me sway

Like an ocean hugs the shore

Hold me close, sway me more"

 

Nas canções mais sessentistas os calcanhares balançavam incansavelmente entre uma dose e outra de Champagne. E assim foram tão animados e descontraídos para aquele pomposo banquete oferecido pelo embaixador. Na volta ao salão a última música para que os corações apaixonados e as almas ungidas por aquele sentimento tão puro, sincero e humano de Afrodite, possam guardar na infinitude de suas memórias tudo aquilo que fora vivido. Era a última música que faria a cisão entre aquela realidade de progresso, sofisticação e sentimentalismo almejados com os últimos minutos de idealização do aspirante a diplomata, cujas lágrimas de sua nova realidade ainda seriam sentidas um dia no coração de sua musa inspiradora. Platônica pelo espírito de poeta, real pelas afinidades concedidas com a graça de Deus. Não façamos mais uma cerimônia para lutar contra o tempo, o que tiver de se encerrar que feneça e façamos deste fim o começo de um caminho. 

 

"Since you gotta go, oh, you'd better go now

(Go now, go now) go now

Before you see me cry"

 

Agora vão! Dancem e cantem como se fosse a última música de suas vidas e não derramem as lágrimas que o фантазёр não irá conter ao voltar para o mundo real de tanta incompreensão. A distorção daquele mundo na mente do poeta um dia será corrigida pela psicóloga que fará dessas conexões transcendentes um único caminho de harmonia para que vivamos no futuro o que tem de ser vivido. ("Only you can hear my soul").

 

"I can only give you love that lasts forever, 

And a promise to be near each time you call. 

And the only heart I own 

For you and you alone 

That's all, 

That's all..."