Caros leitores, iniciarei a partir deste post a divulgação de três crônicas diplomáticas, sendo as duas primeiras escritas em 2014 e última em 2019. Não só pela importância da diplomacia, ainda mais nos tempos atuais, como também para trazer, ainda que na esfera de histórias românticas em formato de crônicas, aquilo que o senso comum costuma imaginar como sendo o "ambiente diplomático" dotado de glamour, sofisticação e luxo.
É claro que a vida diplomática vai muito além desse ambiente de coquetéis e na verdade penso ser esse apenas a "cereja do bolo", mas foi somente tendo contato com a experiência real de profissionais da área que pude entender que o trabalho acerca das Relações Exteriores de um país e seus respectivos consulados e embaixadas é muito mais burocrático e não tão glamuroso quanto o senso comum historicamente assim o retratou. Apesar disso, vale também destacar o caráter desse ofício que dependendo da linha de ação escolhida por seus respectivos governos e a partir da habilidade do diplomata pode carregar em si a nobreza dos valores diplomáticos, os quais estão presentes desde a antiguidade onde os bizantinos já procuravam construir redes diplomáticas com os germânicos, visigodos, dentre outros, até os tempos atuais onde se vê que a diplomacia é essencial em tempos de paz e ainda mais importante em tempos de guerra.
Na crônica abaixo, um diplomata brasileiro teve de usar a sua criatividade e habilidade de mediar conflitos ao se ver em um incidente diplomático criado involuntariamente com o governo francês.
Boa leitura à todos!
Reencontro em Versalhes
O luxuoso Palácio de Versalhes, sede do governo francês nos tempos de monarquia, em uma de suas festas, celebrou os fortes laços entre Brasil e França. Nesse evento de gala foram convidados os ministros e secretários de governo francês e alguns membros da embaixada brasileira. Dentre eles, o diplomata Roberto Grenier e o Presidente da República Francesa, François H...
Os dois conversavam sobre as parcerias, principalmente no âmbito da educação, ao som da bela orquestra de Lyon. O clima de muito luxo encantava ao recém-promovido embaixador que aproveitava o requinte do lugar, usando de seu terno mais luxuoso para se adequar as vestimentas do local.
Roberto por um momento perdeu a concentração no presidente, quando observou uma tímida mulher, de aproximadamente quarenta anos, sendo esta a mesma idade dele, e de cabelos castanhos e lisos, límpida pele e usando um vestido verde claro, além das joias que a deixavam ainda mais elegante naquele ambiente de glamour.
Ela estava quase encolhida em um dos cantos do Palácio e Roberto tinha a nítida impressão de conhecê-la, por isso após alguns minutos de conversa com H..., decidiu perguntar sobre a presença daquela misteriosa dama:
- Vossa Excelência conhece aquela mulher de vestido verde? – disse Roberto que não conseguia segurar a curiosidade.
- Oh... Sim, ela é a nossa ministra da ecologia, desenvolvimento sustentável e energia, Anne Lebranchu.
- Ela é adorável!
- É sem dúvida uma mulher muito competente – disse H..., soltando risos de um político tradicional.
- Mas tenho a impressão de que a conheço do Brasil...
- A menos que ela tenha viajado para lá isso é impossível, pois ela é francesa.
- Prefiro tirar essa dúvida pessoalmente, isso está me incomodando muito. Com licença.
- Claro. Fique a vontade.
Roberto se dirigiu para perto de Anne e tentou puxar uma conversa, mas a ministra mal dava-lhe atenção, por isso ele resolveu perguntar sobre o que o inquietava:
- Eu me lembro de tê-la visto no Brasil, afinal você não seria brasileira?
Inesperadamente a formosa mulher ficou desesperada e tentou escapar, mas ao perceber a estranha e súbita correcia no salão do palácio, o ministro da justiça que estava no local mandou que os guardas que vigiavam a entrada segurassem-na.
- Ela deve ter algo à esconder para estar correndo dessa maneira – disse o ministro.
- A sua intuição é admirável, embaixador Grenier. Vou pedir para que revistem a residência dela – disse H..., surpreso com a memória e esperteza do brasileiro.
Roberto estava profundamente arrependido e torcia para sua intuição estar errada, mas no fundo ele sentia e sabia que Anne era brasileira e a sua nacionalidade francesa por algum motivo era falsa. Ainda sim, o embaixador estava encantado por aquela mulher que ele tinha uma vaga lembrança de seu passado distante.
Agentes levaram a ministra sob custódia e revistaram seu apartamento. A suspeita de Roberto estava certa, encontravam documentos falsos e uma carteira de uma ONG ambientalista no local.
Os policiais também encontraram no prédio jornais que tinham como destaque os objetivos do governo francês em construir duas usinas nucleares em dez anos e provas que confirmavam o crime de falsidade ideológica da ministra francesa.
Ao voltarem para o Palácio, enquanto todos esperavam o resultado da ação, atônitos, os policiais confirmaram a culpa de Anne que seria exonerada imediatamente, mas Roberto ainda tentou intervir na situação:
- Foi confirmado que ela é brasileira?
- Sim, senhor – disse o comandante da tropa de policiais que revistou a residência de Anne.
- Então ela tem o direito de ficar na embaixada brasileira!
Roberto surpreendentemente puxou Anne para perto de si e os policiais foram orientados a não resistir.
- Você está cometendo um grande erro. O que ela fez é muito grave, uma ministra “francesa” que sequer nasceu na França! – disse o presidente, revoltado.
- Eu sei, mas é por isso que vocês não tem direito de prendê-la. Vossa excelência deve entender que isso é problema das autoridades brasileiras. “Esqueçam-na” para não criarem problemas diplomáticos com o Brasil.
- Tudo bem, inventarei alguma desculpa para exonerá-la e queimarei as provas. Mas ela tem que sair da França - disse o presidente francês, ainda contrariado.
- Sim, Vossa Excelência. Fique tranquilo, pois o Sr. está fazendo o melhor para a diplomacia de seu país.
Roberto levou Anne para a embaixada brasileira e logo teve a ideia de pedir a sua própria transferência para outra embaixada. O Itamaraty aceitou o pedido e determinou que o diplomata fosse para o consulado de Mumbai, na Índia, onde precisava-se um cônsul, após o responsável na região ter sido transferido para a Coréia do Sul.
Apesar da perda do cargo de embaixador em um dos postos diplomáticos mais sonhados entre seus pares, o ato de coragem que Roberto teve ao evitar a prisão de Anne e a atuação do experiente diplomata que conseguiu resolver o imbróglio diplomático a partir do diálogo encantaram a ex-ministra que tinha grande honra em estar ao lado daquele homem que a havia defendido cegamente, conseguindo convencer as autoridades francesas para libertarem-na.
- Mas afinal porque você fez tudo isso? – disse o diplomata que não aguentava novamente sua curiosidade, se referindo ao plano de Anne.
- Se você se lembrar da minha ideologia saberá o motivo – disse a misteriosa mulher.
- Então aquela famosa ONG ambientalista te contratou?
Naquele momento Roberto dava modestas gargalhadas, mas Anne se mantinha séria e fria.
- Sim, eu me ofereci para ser funcionária deles. Havia um plano que tinha como objetivo evitar a construção de usinas nucleares e enquanto estive no cargo, provoquei tramites para dificultar qualquer "medida anti-sustentável".
A tímida mulher agora se pronunciava efusivamente para defender as causas ambientais que tanto a inspirava, mas Roberto seguia sem entender a “loucura”:
- Mas como você se infiltrou no ministério?
- Graças a um assessor de um assessor... Do presidente que também estava engajado na luta a favor da natureza. O resto não posso revelar.
- Você continua tão misteriosa quanto a trinta anos atrás pelo pouco que me lembro daquela época.
Anne sorriu tímida e graciosamente para Roberto o que fez com que ele pudesse finalmente se livrar do passado misterioso de sua amada para buscar um próspero relacionamento com a ambientalista na metrópole mais populosa e encantadora da Índia.
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