Caros leitores. Para a última parte da
série "Três crônicas diplomáticas" optei por selecionar uma crônica
escrita em 2019 que faz parte da minha coletânea de textos elaborados entre
aquele ano até 2021 e que envolve crônicas, reflexões, ensaios e demais escritos
que cobrem desde o período pré-pandemia, até as transformações que a mesma
provocou na minha rotina tanto pessoal como de criação literária.
Essa crônica também possui uma
intertextualidade muito forte com as músicas do cantor canadense Michael Bublé
(e um toque de Simply Red e Caro Emerald), o qual eu iria participar de um show em novembro de
2020 e que acabou sendo adiado por duas vezes, tendo a previsão de acontecer em
novembro deste ano.
Bublé se notabilizou por trazer ao
mercado músical do século XXI a essência de grandes nomes do jazz como Frank
Sinatra, além de emplacar canções próprias que transitam entre o romântico, o
pop e o próprio jazz, compilando assim o que é considerado vintage com
tendências modernas, tal como outros artistas que considero fundamentais na
minha vivência artística, como é o caso da cantora holandesa Caro Emerald.
Assim sendo, sejam bem-vindos para mais
um enredo de criação literária, escrito a partir de um período onde a rotina
caótica de participar da aulas e atividades universitárias no turno matutino e
noturno, trabalhar no turno vespertino, além de elaborar o TCC, em alguns
momentos contrastava com textos como esse, que considero como suave e
harmonioso, especialmente para um tempo como aquele.
My (idealization) way
Era mais uma festa dada pelo embaixador
para os convidados, a maioria deles artistas e alguns intelectuais que se
reuniam em um imponente salão todo cercado por peças de porcelana em mesas da
melhor madeira ao nível de Jacarandá e todo o resto era o mais nobre mármore
possível. O chão brilhava ao ponto de que era possível observar o reflexo dos
convidados ali. O banquete ainda seria servido em cerca de meia hora e por
enquanto a autoridade diplomática se encarregava por meio de seus funcionários
de servir aos convidados bons champagnes de Reims e vinhos de Bordeaux, mas os
últimos estavam guardados especialmente para o jantar que ainda não havia sido
revelado. Por fora uma agradável espera com conversas de variedades ou pitadas
de barganha política e comercial, mas a alma de um deles em especial estava
angustiada.
A festa apesar de promovida pelo
embaixador, estava a acontecer no tal palácio alugado pelo segundo-secretário
(o número 4 na hierarquia que tinha por volta de uns 30 anos). Era a alma deste
que vagava pelo salão na procura do seu complemento, no vinho o sangue e no
segundo andar a vida. Lá estava sua esposa a se arrumar enquanto o diplomata
brasileiro continuava a conversar como se a preocupação não lhe tivesse
dominado, mas seus olhares para a pujante escadaria também de mármore, por onde
a dama iria descer eram indiscretos, a tal ponto de seu interlocutor ter de
“disputar atenção” com a "apreensão" pessoal dele.
A gravata borboleta era constantemente
arrumada como uma forma de dissipar a sua preocupação sem sucesso, afinal a
reunião informal já estava a acontecer e sua amada ainda não havia descido do
quarto e, portanto, não fora apresentada aos demais convidados. Eram segundos
intermináveis de um "I can't wait a moment more, tell me quando
quando quando" de uma melodia ambiente refinada guiada por saxofones e na
alma por uma confusão sentimental do diplomata. Era uma tormenta tal que trocas
de números e capitais eram frequentemente feitas. O farol que guiava o
diplomata no mar mediterrâneo ainda não havia aparecido. "God only knows
what I feel without you" era o que o refletia isoladamente. Mas era no
quarto que aquela moça era banhada de graça, tão jovial e feminina a fazer
inveja às demais nereidas.
A Ninfa pintava as suas cores e dava
ainda mais vida aos seus traços delicados, tais mostrados ao espelho como uma
obra de arte. Após as pinceladas da maquiagem, o longo vestido vermelho de seda
não apenas era a continuação das pétalas dos seus lábios como a morada de suas
curvas tão formosas e o elo para a sua sandália da mesma cor que ela ali
calçava, e logo depois viria o seu andar mais leve e confiante que você pode
imaginar. Então ela fechou os olhos por um momento antes de sair do quarto para
a última mensagem de sua mother goddess:
"Close your eyes
Let me tell you all the reasons why
You’re never going to have to cry
Because you’re one of a kind".
Então, ela de forma plena saiu da
Arcádia eslava para o mundo terreno e ao abrir esse portal começou a descer as
escadas tocando aquele tapete vermelho e dourado como a voz dos antigos
trovadores tocavam o coração de suas amadas, de forma refinada, segura e
trazendo a luz consigo. "A noite é de festa e ela veste o luar".
Aquela luz que todos sentiam a presença e logo olharam para ver de onde vinha.
Era a sua primeira vez ali, mas aquele glamour lhe cabia tão bem.
"Take a look
Beyond the moon
You see the stars.
And when you look around
You know the room by heart".
No mundo real alguns segundos dividiram
os passos daquela dama de seu marido, mas na mente do diplomata era tal êxtase
e magia daquele momento que ambos estavam elevados no mundo das memórias
guiadas por tantas trilhas especiais.
"You're lovely, with your smile so
warm
And your cheeks so soft,
There is nothing for me but to love
you,
And the way you look tonight."
Ele a olhava com o semblante tão
entregue à plenitude dela que era como se "A new flame has come".
Eram segundos que se eternizariam em suas vidas, cujas almas estavam
completamente adornadas muito acima da pureza daquele mármore que os
cercavam.
"Unforgettable, mm that's what you
are
Unforgettable though near or far
Like a song of love that clings to me
Mm how the thought of you does things
to me
Never before has someone been more mm".
Estavam juntos há tanto tempo, mas a
sinfonia do violino daquela música que tomou aquele rapaz apaixonado quando se
conheceram, continuava alegremente a adorná-lo como da primeira vez.
"When I give my heart
It will be completely
Or I'll never give my heart
And the moment I can feel that
You feel that way too
Is when I'll fall in love
With you".
Todos nos olhavam e logo sabiam o que
éramos, tal a nossa conexão de olhares a almas entrelaçadas. O homem de
negócios que conversava com o diplomata então o perguntou:
- Vejo que está a se sentir completo
agora.
"I feel wonderful tonight
I feel wonderful because I see
The love light in your eyes
And the wonder of it all
Is that you just don't realize how much
I love you".
A dama russo-italiana se aproxima cada
vez mais de seu amado, seduzindo-o consciente e inconscientemente. Para os que
estavam do lado de fora desse filme íntimo entre as almas parecia que uma
"Bond girl" estava a ficar cada vez mais próxima com todo o charme e
elegância:
"Birds flying high
You know how I feel
Sun in the sky
You know how I feel
Reeds driftin' on by
You know how I feel
It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good
I'm feeling good"
Após o suave toque do cravo em sua rosa
tão preciosa, o casal enfim estava pronto para dançar e concretizar finalmente
aquela idealização frente ao mundo dos homens. Como dizem "The best is yet
to come". O vestido escarlate, o palor da tez tão fina e o olhar
esmeraldino que ela trazia eram as cores de sua terra natal que carregava
consigo, apesar da beleza vinda das sagradas terras eslavas. A plenitude e a
conexão entre eles permitiam que ambos dançassem romântica ou alegremente sem
nunca perderem o tom e o passo correto, apesar dos toques de sua amada ainda
arrepiarem aquele diplomata como no primeiro encontro, era como se ela cantasse
("In just one dance, I'll make your dreams come true").
"Never know how much I love you
Never know how much I care
When you put your arms around me
I get a fever that's so hard to bear."
Em "You'll never find another love
like mine", "Come fly to me", "Everything", "Dream
a little dream" as faces coladas e um clima de "Put Your Head On My
Shoulder" ouviam cada acorde e frase daquelas canções a se encaixarem
perfeitamente nos momentos que viveram juntos ou mesmo para descrever a pessoa
amada.
"And in this crazy life
And through these crazy times
It's you, it's you
You make me sing
You're every line
You're every word
You're everything".
As lembranças do diplomata de suas
escalas sempre malucas em Londres e de sua amada do intercâmbio que ela havia
feito na cidade parecia uni-los no mesmo cenário em "A foggy day (in
London Town)".
Nas canções mais alegres como "Haven't
Met You Yet", "How Sweet It Is", e principalmente em "It
Had Better Be Tonight" os protocolos mais formais eram deixados de lado,
mas sem que o casal perdesse a classe. Era apenas o sangue italiano da filha de
Vênus falando mais alto.
"Meglio stasera
Baby go go go
Or as we natives say
"Fa subito!"
If you're ever gonna kiss me
It had better be tonight
While the mandolins are playing
And stars are bright
If you've anything to tell me
It had better be tonight".
Em "Sway" ambos pareciam
bailarinos latinos guiados por uma banda local que estava presente na
frequência daqueles alto-falantes.
"When marimba rhythms start to
play
Hold me close, make me sway
Like an ocean hugs the shore
Hold me close, sway me more"
Nas canções mais sessentistas os
calcanhares balançavam incansavelmente entre uma dose e outra de Champagne.
E assim foram tão animados e descontraídos para aquele pomposo banquete
oferecido pelo embaixador. Na volta ao salão a última música para que os corações
apaixonados e as almas ungidas por aquele sentimento tão puro, sincero e humano
de Afrodite, possam guardar na infinitude de suas memórias tudo aquilo que fora
vivido. Era a última música que faria a cisão entre aquela realidade de
progresso, sofisticação e sentimentalismo almejados com os últimos minutos de
idealização do aspirante a diplomata, cujas lágrimas de sua nova realidade
ainda seriam sentidas um dia no coração de sua musa inspiradora. Platônica pelo
espírito de poeta, real pelas afinidades concedidas com a graça de Deus. Não
façamos mais uma cerimônia para lutar contra o tempo, o que tiver de se
encerrar que feneça e façamos deste fim o começo de um caminho.
"Since you gotta go, oh, you'd
better go now
(Go now, go now) go now
Before you see me cry"
Agora vão! Dancem e cantem como se
fosse a última música de suas vidas e não derramem as lágrimas que o фантазёр
não irá conter ao voltar para o mundo real de tanta incompreensão. A distorção
daquele mundo na mente do poeta um dia será corrigida pela psicóloga que fará
dessas conexões transcendentes um único caminho de harmonia para que vivamos no
futuro o que tem de ser vivido. ("Only you can hear my soul").
"I can only give you love that
lasts forever,
And a promise to be near each time you
call.
And the only heart I own
For you and you alone
That's all,
That's all..."